“Contra-horizonte”

07.06 - 12.07.2025

ArteFASAM São Paulo

Contra-horizonte

curadoria Yago Toscano

Desde o Renascimento, com a fundação de um regime narrativo e histórico da arte, elegeram-se os princípios fundamentais que enunciavam, por ordem predicativa, a relação de um sujeito sobre um dado objeto. O Homem Vitruviano, a ideia de um enlace comum, de uma humanidade posta no centro do universo e o corpo humano como métrica das demais coisas no mundo vieram a definir, em linhas gerais, as narrativas pictóricas da arte — de modo que as questões da pintura estivessem sujeitas ao olhar totalizante dessa humanidade. O horizonte, por exemplo, ligado à invenção da perspectiva, teria pactuado a relação entre o ponto de vista desse olhar e um ponto de fuga situado no fundo do quadro. A linha do horizonte, posta na altura dos olhos do espectador, traça o limite desse campo narrativo visual, conforme previsto nos primeiros tratados da perspectiva.

No entanto, horizonte, perspectiva e linha de fuga compõem uma narrativa de mundo estático, sob um regime de olhar totalizante, de modo que se pressuponha o mundo como dado, concebido e condicionado a um único modo de ver. Não há, porém, um mundo acabado. Não há um sujeito aqui e um mundo ali, entre os quais se possa transitar. As experiências de mundo não estão, por assim dizer, finalizadas à priori das experiências da vida. A ideia de um mundo inacabado — um mundo em devir —, em diálogo com os atuais debates da antropologia e da arte, possibilita pensar sua constante reelaboração a partir de outros modos de vê-lo e vivê-lo, contrários às narrativas pré-estabelecidas pelo sujeito europeu. Enquanto a perspectiva e o ponto de vista representam uma visão idealizada desse mesmo mundo e da dominação estética de seus apelos, buscar estímulos de abertura sensível a ele implica confrontar narrativas plenamente constituídas ao longo da história da arte que, agora, nos relevam suas persistentes contradições.

Essa estranha fronteira de um horizonte comum teria nos levado a fulgurar parte dos conflitos de suas sucessivas renegociações diante de outras presenças e maneiras de observá-lo. Algo daquilo que teríamos chamado de mundo nos convoca à sua reinvenção. Contra-Horizonte busca pôr em evidência parte das tensões presentes nos atuais debates da arte, instigando outras narrativas do olhar neste mundo aberto – onde outras presenças não são apenas possíveis, mas urgentes. A exposição questiona, assim, a ideia de horizonte como algo “dado” ou neutro, mostrando como as obras relativizam sua fixidez e se opõem à dimensão estática da tradição pictórica, que buscou apreendê-lo num sentido unívoco. Observamos aqui e ali deslocamentos do olhar que nos convocam a posturas antepredicativas em relação à arte – maneira pela qual, diante de um objeto, podemos elaborar junto a ele entradas de reflexão sensível nesses pequenos e distintos mundos presentes.

As obras aqui presentes, cada uma a seu modo, nos possibilitam refletir sobre maneiras de questionar a ideia de um mundo “dado” e imutável. Privilegiam, em vez disso, processos de abertura desse mesmo mundo e a coexistência de narrativas cujo apelo é polissêmico – rejeitando assim a noção de um ponto de vista único (herdado da tradição europeia) ao explorar perspectivas descentradas, fragmentadas ou de entradas múltiplas. Se a visão clássica pressupunha uma cisão entre sujeito observador e objeto inerte, os trabalhos apresentados dissolvem essa dicotomia. Propõem uma coemergência de mundo e olhar, onde a experiência sensível é sempre situada e carregada de conflito, mas cuja apreensão exige não apenas contemplação, mas engajamento ético com suas superfícies sensíveis.

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