
“As Amazonas”
09.08 - 13.09.2025
ArteFASAM São Paulo
As Amazonas
curadoria Paula Borghi
"As Amazonas" não se limita a narrativa de uma antiga nação de mulheres guerreiras da mitologia grega e é à isso que a artista Simone Fontana Reis se atém em sua individual. Se as Amazonas surgem como um povo liderado pelas rainhas Pentesileia, Hipólita e Antiope, três mulheres a afirmarem seus corpos como terreno de autonomia da maternidade, do parto, do desejo, da sexualidade e da força de trabalho, em 1542 elas são avistadas no Brasil pelo capitão espanhol Francisco de Orellana. O ocorrido se dá durante a travessia de um grande rio, que a partir de então passa justamente a ser nomeado Amazonas.
Tendo como base este importante relato histórico documentado pelo Frei Gaspar de Carvajal no Relatório do Novo Descobrimento do Famoso Rio Grande Descoberto pelo Capitão Francisco de Orellana, 1542, Simone Fontana Reis indaga por que não reconhecer as Amazonas em outras personificações? Em outros tempos? Em outros mundos? Lilith, Joana d'Arc, Marielle Franco, por exemplo, são algumas das figuras históricas que evocam este campo expandido das Amazonas. São elas mulheres que têm em comum a posse de si mesmas e a insubordinação ao patriarcado, que insurgem mesmo após serem expulsas do paraíso, queimadas em fogueiras, apedrejadas em praça pública ou assassinadas a queima roupa; sendo impossível elas sumirem do mapa.
Somado tudo isso a sua natureza desobediente e selvagem, as Amazonas não só seguem vivas, como também nomeiam o maior rio em vazão de água da Terra. Amazonas, corpo rio de água doce que jorra, goza e transborda em abundância, é a casa de muitas vidas e o alimento de muitas bocas. Um rio que nasce na maior floresta terrestre e desagua no Oceano Atlântico, fluindo pela correnteza marítima ao encontro de outras terras e outros povos.
Trançando dados históricos com seus dados biográficos e suas criações de fábulas, os trabalhos aqui presentes de Simone Fontana Reis partem de imagens que fazem uma ode às Amazonas (em todas suas interpretações corpóreas e temporais) e desenham o percurso que elas percorreram até se tornarem rio.
Acompanhando a trança criada pela artista, é possível interpretar que após as Amazonas serem perseguidas por impérios e exércitos na era Antes de Cristo, elas deixam sua terra mátria - hoje chamada Capadócia, atravessam o Cáucaso e os Bálcãs montadas em seus cavalos e então se espalham por toda a Europa. Na Idade Média, fugindo da Inquisição, elas cruzam o Atlântico voando em pássaros, chegando primeiro no Pantanal, reduto de pausa de muitas aves migratórias, para depois seguirem até a Amazônia, assim nomeada em sua homenagem; sendo o lugar perfeito para elas desenvolverem uma comunicação com as plantas e continuarem suas experiências com seres não-humanos sem serem perseguidas ou reprimidas, vivendo e agindo livremente. No Pantanal, elas são recebidas pelo povo Kadiwéu e aprendem sobre seus grafismos, tal como Simone Fontana Reis o fez em 1998. Na Amazônia, com o povo Huni Kuin, as Amazonas entram em contato com as propriedades da terra preta (tecnologia que possibilitou a existência de milhões de pessoas na floresta, sem fome e sem doenças), conhecem a mulher jiboia e consagram a ayahuasca; já a artista tem sua primeira experiência com essa medicina em 2019 e em 2024 realiza a "Festa do Cumarú" em colaboração com o povo Huni Kuin do Rio Jordão, no Acre. Conectando sua própria vida e a narrativa que ela traçou sobre as Amazonas da Grécia Antiga até a atualidade, há mais de 20 anos Simone Fontana Reis cria proposições artísticas que confluem seu devir amazonas com saberes da floresta.
Vale também mencionar que na infância e adolescência a artista foi aficionada por cavalos, aprendendo montaria aos seis anos de idade, como uma boa Amazona. Além disso, ela cresceu sendo chamada de anta por seu irmão, que pretendia ofendê-la ao relacioná-la com este animal tão imponente e importante para germinação das sementes; sendo o maior mamífero brasileiro. Acessando memórias íntimas, a artista traz para seu processo criativo não apenas fatos que tecem sua constituição de sujeito, mas que também fundamentam seu repertório artístico. É com esta potência que sua obra afirma que a anta é esperta, forte e bonita.
Apresentando pinturas que tem como base duas técnicas milenares, o gesso e a têmpera, a artista se inspira nas histórias de sua vida e dos habitantes da floresta, seres humanos e não-humanos, visíveis e invisíveis. Recorrendo cada vez mais a música para auxilia-lá em sua narrativa, com composições autorais cantadas e tocadas ao violão pela própria, nota-se uma performatividade intrínseca ao seu fazer artístico. Seja por meio de metáforas visuais ou no som de sua voz, ela se faz presente de mãos dadas com as Amazonas, a mulher jiboia, a anta, a bruxa e todas aquelas que não tem medo dos seus desejos.
Assim, a mostra apresenta uma versão atualizada das Amazonas e enfatiza a ideia delas seguirem vivas por meio de diferentes corporeidades, numa fabulação cuja a "moral da história" visa endossar a colaboração entre diferentes povos e espécies, bem como da arte enquanto aliada na preservação do bem estar florestal. Aqui, o que anima a ação é a criatividade cultivada por Simone Fontana Reis.
TOUR VIRTUAL 3D






Curadora PAULA BORGHI falando da exposição " AS AMAZONAS" na ArteFASAM Galeria. AGOSTO/2025